(Tanta violência, mas tanta ternura)

quinta-feira, maio 13, 2010 3 comentários

A dinamicidade das imagens em “Terra em Transe”

A realidade social da América Latina, marcada por desigualdades, é a temática abordada no longa-metragem “Terra em Transe”, de Glauber Rocha. A estrutura narrativa do filme é crítica. É possível observar a arte engajada do cineasta, que propõe uma reflexão sobre a política e o processo social dos países subdesenvolvidos. Utilizando o flash-back narrativo, o diretor volta no tempo para explicar, por meio do passado, certas atitudes das personagens. Logo no início do filme, é apresentada uma visão aérea do oceano. A câmera corre lateralmente. Essa varredura, da esquerda para a direita, desloca rapidamente a imagem e sugere a imensidão das angústias e ações do homem. Dessa forma, a personagem principal vai revendo e ressignificando os acontecimentos e suas visões de mundo.

Raramente vemos a câmera parada no filme. Essa movimentação caracteriza a dinâmica da narrativa. Espaços amplos como o mar, o céu, o deserto. A busca pelo vôo alto e o mergulho profundo são cobertos por vários ângulos no momento da filmagem. Isso estabelece uma interação entre os espaços, ações e personagens. Quando um grupo de pessoas conversa, num lugar aberto, a câmera acompanha os movimentos. Esse deslocamento reitera a idéia de diálogo. Como a seqüência dramática é determinada pelo lugar e pelo tempo, a alternância nos planos sugere a dinamicidade do filme.

A câmera fixa traz o efeito de movimento psicológico e não fisiológico. Em vários momentos, o poeta Paulo (protagonista do enredo), se encontra parado, mas com a cabeça envolta à pensamentos angustiantes e, muitas vezes, anárquicos. Em função dele, organiza-se a narrativa. As características psicológicas, físicas e sociais que formam a personagem, são utilizadas por Glauber Rocha como composição da estrutura dramática, captada pelas modificações dos planos. Há cenas externas, filmadas ao ar livre, e cenas em casarões, na redação do jornal, na rua. O enredo mostra a transição da protagonista do interior para a capital. Lugares mais representativos da cidade servem como pano de fundo para o desenrolar da história.

O conflito das personagens representa o embate entre as forças (físicas e intelectuais) do povo e de quem está no poder. Com isso, “Terra em Transe” é marcado pela espetacularização de cenas do cotidiano. A câmera é tratada como "participante da ação". As personagens olham diretamente para a lente, dando a impressão que o telespectador também participa da cena. A ficção a partir de um tema real é aproximada de planos que remetem proximidade, distanciamento, imposição, submissão, etc. Como exemplo, a câmera acima da multidão que acompanha o político populista dá a idéia de vigilância. Todos caminhando em mesma direção, como numa boiada. São imagens que sugerem liberdade, mas são dominadas. A câmera é o boiadeiro que não permite a fuga de um dos animais. Já com o político no palanque, proferindo um discurso cheio de promessas, é possível visualizar a câmera se posicionando abaixo do candidato. Isso remete à submissão da população.


O diretor não utiliza apenas os recursos dos planos feitos em plongée, de cima para baixo, e contra-plongée, de baixo para cima. O Close-up enfatiza um detalhe, pormenorizando uma ação. Ao enquadrar apenas a cabeça, detalhes do rosto das personagens, as expressões faciais se tornam bastante nítidas, aumentam a carga de dramaticidade da cena. A utilização da trilha musical também se dá de forma muito significativa. As músicas que são utilizadas servem de pano de fundo para as imagens, mas não têm significação própria. Há momentos que o ritmo serve apenas como interseção dos fatos. A posição ocupada pelas pessoas à frente dos demais elementos que compõem o enquadramento da cena, pode ser representada nos diálogos entre Paulo e a professora Sara. Ao mesmo tempo que dialogam, dramatizam os sentimentos. Por isso, a câmera alterna entre emissor e receptor no primeiro e segundo planos. Em outra situação, na hora da valsa, a câmera em movimento acompanha o bailado das personagens. O “travelling” escolta os passos na mesma velocidade.

Na obra, é nítida a intenção de mostrar a arte como algo contestador e essencial no processo de conscientização. O povo precisa de poesia e política. Por isso, Paulo usa as palavras como forma de combate ao sistema opressor. A união perigosa de interesses pessoais e poder é a materialização do “transe” da Terra. Essa conjuntura perigosa impossibilita a inversão da desigualdade. Nessa perspectiva, o desespero toma conta da protagonista. Uma das cenas mais reveladoras é apresentada com a citação do poema “Balada”, de Mário Faustino. A parte da imagem é atribuída a outro elemento da arte, a literatura.

“Não conseguiu firmar o nobre pacto

Entre o cosmo sangrento e a alma pura

Porém, não se dobrou perante o fato

Da vitória do caos sobre a vontade

Augusta de ordenar a criatura

Ao menos: luz ao sul da tempestade.

Gladiador defunto mas intacto

(Tanta violência, mas tanta ternura)”

Na última cena, Paulo se encontra num deserto. Ele está sozinho na luta pelos próprios ideais. Sendo assim, a perspectiva tem expressão simbólica. A voz que se cala em meio ao silêncio da solidão. A câmera lentamente se afasta. O distanciamento representa a explícita desistência em romper com os padrões vigentes na sociedade. Para ele, o mesmo que a morte.

(3) Comments

  1. Rubens Amadeus Mozart On 18 de maio de 2010 às 02:15

    Glauber Rocha é o exemplo máximo de que Arte não é entretenimento ou diversão! Se alguem disser que os filmes do Antonioni(gênio) ou 2001 são parados, ou que filmes como Persona(Obra-Prima) ou Satyricon são de difícil apreciação(Vi isso na Set)
    Diga que ele é um merda e o agracie com O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (ele vai ter um novo conceito de filme chato)

     
    Valdecy Alves On 23 de outubro de 2010 às 14:25

    Olá, amigo blogueiro,
    Leia poesia que reafirma a vida como um bem cósmico, propriedade de ninguém, acessando meu blog:
    http://valdecyalves.blogspot.com/2010/10/poesia-da-afirmacao-da-vida.html

    Leia também a penúltima matéria. Vc sabia que já existiu campo de concentração no Brasil. Ver em:
    http://valdecyalves.blogspot.com/2010/10/caminhada-da-seca-de-senador-pompeu-em.html

     
    Unknown On 16 de abril de 2011 às 20:31

    Alda te encontrei...rs
    e que bom que encontrei...parabéns pelo blog vou passar a ser seguidor.

    bjs