Centenário da morte de Machadinho

terça-feira, setembro 30, 2008 0 comentários

A cartomante
Aparência x essência

O conto “A cartomante”, de Machado de Assis aborda e enfatiza um triângulo amoroso, marcado pela presença mística e de fundamental importância de uma cartomante. A existência dessa personagem misteriosa e influenciadora modifica o comportamento das personagens, mudando assim, o desenrolar dos fatos na trama, que ocorre na segunda metade do século XIX.


“Hamlet observa a Horácio que há mais coisas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia”

Com essa citação, o conto nos prepara para os acontecimentos misteriosos e de grande confusão mental. O triângulo amoroso é representado pelas personagens Vilela, Rita e Camilo. Pessoas comuns, aparentemente, mas marcadas pela ambigüidade e tomadas de sentimentos contraditórios. Essa distinção do ser e parecer é determinada pelas correntes teóricas e filosóficas vigentes do Realismo.

Rita é a mulher ‘realista’, representa as damas da sociedade com qualidades e defeitos, não tão idealizada, menos ‘dondoca’ e mais ousada. É envolvente e sedutora.
“Realmente, era graciosa e viva nos gestos, olhos cálidos, boca fina e interrogativa”

Vilela é o marido de boa índole, respeitador, objetivo e racional. Bem sucedido profissionalmente, entrou na carreira de magistrado, em seguida, abriu banca de advocacia. “O porte grave de Vilela fazia-o parecer mais velho que a mulher”

Camilo é o amante. Ele desperta o desejo em Rita. É fraco e se deixa seduzir, aparenta segurança, mas não passa de um covarde. Amigo de Vilela desde a infância, aproxima-se do casal. Sem perceber, envolve-se com a mulher do amigo. Sempre espera que os outros façam por ele, não possui autonomia.


“Camilo entrou no funcionalismo público, contra a vontade do pai, que queria vê-lo médico; mas o pai morreu e Camilo preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou um emprego no funcionalismo público”

As personagens são construídas com certa deformação moral, com costumes, valores e conflitos. Revelando o ser humano de fato como ele é.
“Uniram-se os três. Convivência trouxe intimidade. Pouco depois morreu a mãe de Camilo, e nesse desastre, que o foi, os dois mostraram-se grandes amigos dele”

Todos os relacionamentos da obra, sejam eles do matrimônio de Rita e Vilela, da amizade de Vilela e Camilo e do amor proibido de Camilo e Rita são formados por jogos de aparência, falso moralismo, adultério, dissimulação, crendices e ciúmes.

A cartomante no triângulo desequilibrado, representa à Rita, a sustentabilidade e a tranqüilidade. Porém, ela nada mais é que, a manipuladora que tira proveito da fragilidade e ingenuidade dos clientes. É inescrupulosa com todos que a procuram, que acreditam em cada palavra proferida.

A vida ocorre como algo que foge do controle das protagonistas, sendo a cartomante, única pessoa apta para desvendá-la.

Fazendo uma releitura, Vilela enviou uma carta ao amante da esposa, retomando o título do conto: “cartomante”. E, a cartomante é quem dá as cartas no jogo. Dessa forma, Vilela assume o papel da própria cartomante, já que, ele foi o responsável pela atitude de Camilo, de ir ao seu encontro, de não reagir e portar-se como um covarde diante da morte.
“Vilela pegou-o pela gola, e, com dois tiros de revólver, estirou-o morto no chão”

A distinção entre o ser e o parecer é o final trágico do conto. Vilela, caracterizado com calmo e tranqüilo, é tomado pelo ódio e vaidade ao descobrir a dupla traição. De maneira que, acaba com vida dos amantes. Durante o enredo, mostrou ser uma pessoa, quando na verdade é outra. A situação o levou a agir de maneira imprudente. O meio modificando o homem.